Pergunta de um desesperado Olavo de Carvalho

Pergunta de um desesperado Olavo de Carvalho Zero Hora, 23 de setembro de2001 Semanas atrás mencionei aqui, de passagem, a máxima de Sun-Tzu: “Fazer-se de fraco quanto está forte, de forte quanto está fraco”. Ela resume o “timing”, a alternância rítmica do discurso comunista. Anatoliy Golitsyn, desertor da KGB e provavelmente o melhor conhecedor do assunto nos meios ocidentais, dá-lhe a seguinte interpretação: quando o movimento comunista está ocupado em alguma manobra global, de longo prazo, e precisa ganhar tempo, ele vem com fala mansa, adocicada, denotando fragilidade, divisão, hesitação, aplacando as suspeitas ocidentais mediante uma florida exibição de sentimentos conciliadores e até de adesão “modernizadora” aos valores democráticos. Quando sente que está periclitando, necessitado de restaurar nos militantes o espírito belicoso e a disciplina marcial, ele abandona toda afetação de prudência e parte para ameaças truculentas e as demonstrações de força. Neste preciso momento, esse movimento está empenhado na mais vasta e complexa manobra de toda a sua história: reorganizar-se em escala mundial, passando de uma estrutura centralizada e hierárquica, com um comando sediado na URSS, para uma organização flexível e multicêntrica, diversificando também suas fontes de suporte financeiro, transferidas da máquina soviética de lavagem de dinheiro para uma complicada rede de fontes independentes, que vão desde respeitáveis empresas multinacionais montadas com fundos secretos da KGB até quadrilhas de traficantes. Portanto, não é hora de bravatas. É hora de fazer-se de bonzinho, de coitadinho, de morto. O ataque ao World Trade Center e ao Pentágono foi uma precipitação de aliados afoitos, os malucos do Talibã. Aplaudi-lo ostensivamente seria declarar uma guerra para a qual as forças comunistas não estão preparadas. Condená-lo “in totum” seria humilhar-se ante os EUA. Daí a palavra-de-ordem, ambígua e escorregadia, emanada de Cuba e obedecida uniformemente pela militância esquerdista mundial: maldizer da boca para fora a violência do atentado, mas legitimando-a moralmente e lançando as culpas sobre a vítima, por meio da alegação de que “quem semeia ventos colhe tempestades”. D. Luciana Genro, deputada estadual petista, foi uma das vozes inumeráveis que, no coro geral do esquerdismo, ecoaram fielmente na mídia brasileira a voz do mestre, falando mal do atentado mas explicando-o como reação lógica — e, em última análise, justa — de povos levados ao desespero pela opressão imperialista dos EUA. É claro que esse raciocínio é louco. Nem um único país está sob ocupação de tropas dos EUA, enquanto em Lhasa, Tibete, restam menos tibetanos do que soldados da China comunista. O Afeganistão nunca foi agredido pelos americanos, mas sim pelos soviéticos, que mataram um milhão de afegãos e só foram embora quando o socorro americano fez pender a balança para o lado islâmico. A revolução iraniana jamais encontrou oposição militar dos EUA, que, bem ao contrário, lhe deram uma boa ajuda por baixo do pano para a derrubada de Reza Pahlevi. Por fim, na guerra do Golfo, quando poderiam ter invadido Bagdá e transformado Saddam Hussein em poeira atômica, os americanos se contentaram em libertar o Kuwait e deixar o ditador iraquiano esbravejando, humilhado mas intacto, no seu troninho de sombras. De modo geral, as economias do mundo islâmico já teriam ido todas para o beleléu sem o apoio americano, e no fim das contas a única coisa que os muçulmanos têm a reclamar contra o imperialismo ianque é que ele não os deixa empurrar para o oceano a população judaica de Israel, como tantos gostariam de fazer. Desespero por desespero, haveria mais motivo para jogar dois Boeings no Kremlin ou no Palácio da Paz Celestial do que no World Trade Center. Para ensinar isso a D. Luciana, mas querendo fazê-lo em termos simples, didáticos, acessíveis aos neurônios recalcitrantes de uma pertinaz cabuladora de aulas de democracia, o jornalista Diego Casagrande concebeu uma historieta pedagógica, na qual eleitores gaúchos liberais e conservadores, desesperados com a ascensão da prepotência petista neste Estado, davam uns cascudos na deputada e ainda sobrava um pouco para o Padre Roque, também deputado e petista, que a acompanhava em tão infausta e hipotética circunstância. Do exemplo, que não ocupava mais de um parágrafo, Casagrande extraía então a moral da história: por maior que fosse o desespero dos agressores, nada justificaria esse ato de maldade contra as duas Excelências ou contra quem quer que fosse. Mensagem mais clara não podia haver: se o desespero não justifica bater em D. Luciana e no Padre Roque, muito menos justifica jogar aviões em prédios. Suepreendentemente, D. Luciana, interpretando a história ao contrário, disse que Casagrande estava induzindo as pessoas a baterem nela e no Padre, e anunciou sua intenção de processar o jornalista. Não creio poder ser mais didático do que o foi o autor da historieta. Imagino ser um razoável professor universitário, mas confesso não ter vocação para a pedagogia infantil. Desisto, pois, de explicar à deputada o que quer que seja, e limito-me a colocar para os leitores o seguinte dilema, que me atormenta neste momento difícil. As FARC já mataram 30 mil pessoas no seu país e, por meio de Fernandinhos Beira-Mar e “tutti quanti”, dominam hoje uma boa fatia do mercado brasileiro de drogas. Eu desejaria fazer algo contra isso, para evitar que o Brasil tenha o destino da Colômbia. Desejaria, mas não posso. As FARC, aqui, têm prestígio oficial, são recebidas pelo governador do Rio Grande e homenageadas no Forum Social Mundial. Mesmo o tal Fernandinho é intocável: mal foi preso, já começou na imprensa o vendaval de desinformação, destinado a fazer sumir do noticiário a aliança macabra do banditismo nacional com a revolução internacional. Estou, pois, de mãos amarradas. Nada posso fazer. Estou desesperado. Que é que os leitores acham? Se, nessa situação extrema, eu seqüestrar, não digo um Boeing, mas um bimotor da Embraer, e o atirar sobre o Palácio Piratini, estarei moralmente justificado pelo desespero? Ou melhor: se, constatando minha completa falta de qualificações aeronáuticas para tal empreendimento, eu optar por algo mais ao alcance dos meus talentos, jogando na cabeça do Dr. Olívio Dutra o “lap top” em que escrevo o presente artigo, poder-se-á alegar em minha defesa que apenas fiz desabar sobre S. Excia. a tempestade semeada pelos seus atos oficiais? E se o jornalista Diego Casagrande, querendo me dissuadir de semelhantes intuitos terroristas, escrever uma historieta ilustrativa para me mostrar como seria feio Dona Luciana e o Padre Roque baterem em mim, por mais que me odiassem, terei o direito de concluir daí que ele os induz a me agredir?

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