Inteligência, ciência e fé OLAVO DE CARVALHO

Inteligência, ciência e fé OLAVO DE CARVALHO OS MATERIALISTAS, pragmatistas e tutti quanti censuram à inteligência humana o não poder ultrapassar a esfera dos esquemas formais e dar-nos a realidade viva do objeto sensível. Certos pensadores religiosos e místicos censuram-lhe o não poder alcançar o divino, o não poder nos dar senão abstrações e analogias, um céu pensado em vez do Deus vivo. Que é que nos oferecem como alternativa? De um lado, o consenso coletivo dos cientistas. De outro, o consenso coletivo do dogma. São duas formas do argumento de autoridade. Mas em que se fundam essas duas autoridades? A ciência funda seu prestígio na utilidade prática, isto é, na sua capacidade de criar meios para a consecução de fins que ou são estabelecidos pela inteligência humana ou, num círculo vicioso, são determinados pelo consenso coletivo mesmo; a religião, na revelação e no mistério, cujo sentido ou nos é evidenciado pela inteligência ou então, num círculo vicioso, é decretado pela autoridade mesma do consenso coletivo. Academia e concílio fundam-se portanto na autoridade da inteligência mesma que renegam e pretendem ofuscar, ou então pretendem afirmar-se ambas como princípios originários absolutos, passando por cima das finalidades práticas e do mistério em cujo nome legislam. Na verdade, a inteligência e só a inteligência nos dá a verdade, uma verdade comproporcionada ao homem. Ela é a esfera do propriamente humano, acima da matéria sensível e abaixo do puro espírito. Nada sabemos, com efeito, nem da pura matéria nem do puro espírito em nome dos quais os ateus e os místicos condenam respectivamente a inteligência, exceto aquilo que a inteligência mesma, por abstração num caso, por analogia no outro, nos pode revelar. Quanto à fé, que para os religiosos é o fator supremo, ela não é senão o motor volitivo — indispensável, é claro, mas somente preliminar — que aciona a inteligência. Sem a fé no mundo exterior não podemos saber nada de certo sobre a matéria, assim como sem a fé no espírito nada podemos saber de Deus. A fé não é menos necessária à ciência experimental do que à religião. Colocar portanto a fé acima da inteligência é uma contradição de termos, exceto se for em sentido meramente operacional, prático e empírico. Ambas as autoridades que pretendem se sobrepor à inteligência são de natureza coletiva, ao passo que o exercício da inteligência é sempre do indivíduo concreto. Neste sentido, ciência e religião colocam-se numa esfera estranha à da inteligência, à do exercício efetivo e concreto do inteligir perante o inteligível no momento em que intelige; colocam-se no plano das formulações gerais esquemáticas que nunca se efetivam plenamente na existência real dos indivíduos. Ambas são normas abstratas que se referem ao mero esquema dos possíveis e nada têm a ver com o ato concreto da inteligência. Para eu inteligir que A = A, nem o dogma religioso nem o consenso científico-experimental podem me ajudar em nada. Como pretendem então sobrepor-se à inteligência, quando se apóiam nela, sendo, como são, somatórias dos resíduos objetivados de milhares de atos cognitivos exercidos pela inteligência dos cientistas, de um lado, pela dos homens de religião, de outro? Aos cientistas, respondo com Aristóteles: A inteligência é mais verdadeira que a ciência. Aos religiosos, com a Bíblia: no princípio era o Logos. Foi ele que se fez carne e habitou entre nós, dentro de nós. Ele, não a fé. E a queda?, perguntará o católico. Não debilitou ela no homem a inteligência que é uma participação direta no Logos? Sim, e daí se tornou necessária a fé. Mas, no mesmo ato, debilitou a evidência sensível, sobrepondo-lhe o simulacro, a conjetura imaginária — o que torna a fé na realidade objetiva do mundo uma precondição prática do exercício da ciência, tanto quanto a fé na espiritualidade do real é uma precondição prática do conhecimento de Deus.

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