Confronto de ideologias? Olavo de Carvalho
Confronto de ideologias?
Olavo de Carvalho
Época, 24 de março de 2001
Qualificar assim a luta entre capitalismo e socialismo é um vício de linguagem
Se você quer avaliar a extensão do domínio hipnótico que os cacoetes marxistas ainda exercem sobre o sistema neuronal de pessoas que se supõem imunes a qualquer contaminação de marxismo, basta ver que estas, quando argumentam em favor do capitalismo, admitem colar na própria testa o rótulo de defensores de uma determinada “ideologia”.
Uma ideologia é, por definição, um simulacro de teoria científica. É, segundo a correta expressão do próprio Marx, um “vestido de idéias” que encobre interesses ou desejos. Ao aceitar definir-se na linguagem de seu adversário, o liberal moderno assume o papel que ele lhe impõe: confessa-se porta-voz dos interesses dos ricos. Que a confissão seja falsa não a torna menos eficaz. Transferida do confronto objetivo das doutrinas para o terreno da concorrência de interesses, a luta parece opor agora o explorado ao explorador. Por elegante que seja a argumentação deste último, ele estará condenado a personificar sempre o malvado da história.
Descrever o confronto entre capitalismo e socialismo como “luta de ideologias” é aceitar um jogo viciado, no qual um dos lados dita as regras, dá as cartas e predetermina o desenlace.
O capitalismo não é uma ideologia. É um sistema econômico que existiu e provou suas virtudes desde dois séculos antes que alguém se lembrasse de formulá-lo em palavras. E o primeiro que esboça essa formulação, Adam Smith, não é de maneira alguma um ideólogo, um inventor de símbolos retóricos para construir futuros no ar em favor de tais ou quais ambições de classe. É um homem de ciência em toda a extensão do termo, esboçando hipóteses para descrever e explicar uma realidade existente. O socialismo, em contrapartida, milênios antes de existir sequer como estratégia política concreta já tinha seus ideólogos, seus embelezadores de enganos, seus estilistas de interesses de grupos ressentidos e ambiciosos. Por isso, o confronto de socialistas e liberais não opõe ideologia a ideologia: a defesa do socialismo é sempre a auto-atribuição ideológica dos méritos imaginários de um futuro possível, a do capitalismo é sempre a análise científica de processos econômicos existentes e dos meios objetivos de aumentar sua eficiência. Malgrado tudo quanto se possa alegar contra ele sob outros aspectos (e eu mesmo não tenho deixado de alegá-lo), o capitalismo não somente gerou riquezas incalculáveis, mas pôs em ação os meios práticos de distribuí-las ao povo e criou instituições como a democracia parlamentar, a liberdade de imprensa, os direitos humanos, ao passo que o socialismo só o que fez até hoje foi prometer um futuro melhor ao mesmo tempo que reintroduzia o trabalho escravo banido pelo capitalismo, suprimia todos os direitos civis e políticos conhecidos, reduzia mais de 1 bilhão de pessoas a uma angustiante miséria e, para se sustentar no poder, recorria a meios de uma crueldade quase impensável, como por exemplo a empalação e o esfolamento de prisioneiros – um recurso muito usado durante o governo de Lênin.
O capitalismo não é uma ideologia – é uma realidade continuamente aperfeiçoada pela ciência. Ideologia é o socialismo – o vestido de idéias que encobre as ambições sociopáticas de semi-intelectuais ávidos de poder.
E uma prova a mais de que isso é assim poderá ser dada por eventuais reações socialistas a este artigo, as quais, como todas as contestações a meus artigos anteriores, não conseguirão e aliás nem tentarão impugnar a veracidade de nenhuma de suas afirmações, mas se limitarão a expressar descontentamento e revolta contra sua publicação.
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